Na terra pensar em pagar,
dois campos terá que arrotear
mas com o ferro da razão;
Para que germine a semente
Para obter do chão uma espiga,
Do pranto o sal da fronte antiga
deve tombar continuamente.
Um é a Arte, o outro é o Amor.
E para obter do juiz a graça,
Na hora em que finalmente nasça
Da justiça o dia em terror,
deve-se mostrar-lhe o celeiro
Cheio de meses e de flores
Cujas feições e mais cores
Tenham dos céus o apoio inteiro.
~#HINO#~
Á muito cara, á muito bela,
Que me enche a alma de claridade,
ao anjo - ídolo que se estrela -
salve em sua imortalidade!
Ela se expande em minha vida
Como ar impregnado de sal,
E por minha alma ressequida
derrama o gosto do eternal.
Fresca fragrância que perfuma
O ar que algum canto azul acoite,
Perdido incensório que fuma
Em segredo atráves da noite.
como, ó amor incorruptivel,
Vir exprimir-te com verdade?
És grão de almíscar invisivel
sepulto em minha eternidade!
Á muito cara, á muito bela
Que me enche a alma de claridade,
Ao anjo - ídolo que se estrela -
Salve em sua imortalidade!
O amor sentado sobre o crânio
Desta humanidade ,
E sobre este trono profano
A rir de maldade,
Sopra a sorrir bolhas redondas
Que sobem pelo ar,
Como se ao mais longínquo mundo
Quisessem chegar.
O globo luminoso e frágil
Voa arrebatado,
rompe e escarra a alma delicada
Como um sonho dourado.
Escuto o crânio a cada bolha
Gemente rezar:
"Esta feroz farsa ridícula
Quando irá acabar?
Pois o que a tua boca amarga
Joga pelo ar langue
É cérebro, ó monstro assassino,
É coração e sangue!"
Sabia conceber o pródigo e o monstruoso,
Teria amado estar junto a jovem gigante,
Como aos pés de rainha um gato voluptoso.
Teria amado ver a florescente dama
Livremente crescer em seu terrivel jogo;
figurar-lhe no peito uma sombria chama
A esta umidez brumal dos seus olhos de fogo;
Percorrer devagar ao seus flancos vermelhos;
A vertente subir dos seus enormes joelhos,
E ás vezes, ao verão , na hora em que o sol exangue
Faz que ela se espreguice através da campina
Adormecer á sombra do seu serio, langue,
Como ameno casal aos pés de uma giganta.
Os mochos estão em fileiras,
Tal como deusas estrangeiras,
Dardando o olhar rubro.Meditando.
Imóveis eles ficarão,
Até o minuto de dor turvo,
Em que vencendo o sol recurvo,
Finalmente as trevas serão.
E cada corvo ao sábio ensina
Que se deve fugir á sina
Da mudança que nos condena.
O homem que tudo faz mudar
Leva por tudo e sempre a pena
De haver mudado de lugar.
~#SEPULTURA#~
Se por noite cheia de assombros
Um bom cristão, todo apiedado,
Enterra sob velhos escombros
O teu corpo tão celebrado.
Na hora em que as límpidas estrelas
Cerrarem olhos de miosótis
A aranha aqui fará as teias
E a víbora fará os filhotes;
Ouvirás, toda a temporada,
à tua fronte condenada,
Uivos de lobo em solidões.
E os dos feitoiceiros famintos
E dos velhos cheios de instintos,
E o vil concluio dos ladrões.
~#O HEAUTONTIMORUMENOS#~
Sem ira eu hei de te atacar
Como um carniceiro e sem ódio!
Como o fez Moisés no episódio
Do rochedo - e de teu olhar,
Há de beber o meu Saara,
A água do sofrimento mansa.
Meu sonho cheio de esperança
No teu pranto como nadara!
Como uma nave que ao mar larga,
E em minha alma que embriagarão
Teus soluços ressoarão
Como um tambor que bate a carga!
Pois eu não sou um falso acorde
Nesta divina sinfonia,
Graças à voraz ironia
Que me sacode e que me morde?
Ela em minha voz vocifera!
Todo o meu sangue é este veneno!
Eu sou espelho tão terreno
Em que se contempla a megéra!
Eu sou a ferida e o punhal!
Eu sou o rosto e abofetada
A roda e a carne lacerada
Carrasco e vitima afinal.
Vampiro de meu coração
Eu sou destes abandonados
Ao riso eterno condenados
E que nunca mais sorrirão!
~#AS METAMORFOSES DO VAMPIRO#~
Ela de sua boca de cereja e de asa,
Torcendo-se assim como a cobra numa brasa,
E os seios a moldar à dura barbatana
Do espartilho falou empregnada de havana:
* "Trago os lábios molhados e possuo a ciência
De perder por um leito a minha consciência
Eu seco todo choro em meus seios divinos,
E faço rir os velhos tal qual meninos.
Eu substituo, aos que possam ver-me sem véus,
O plenilúnio, o sol, as estrelas e os céus!
Eu sou tão douta na volúpia, caros sábios
Quando um homem afogo no mar dos meus lábios,
Ou então quando entrego as mordidas meu busto,
Tímido e libertino e frágil e robusto,
Que os anjos sobre o meu desmaiado colchão
Iriam ter em mim a sua danação"*
Quando ela me sorveu dos ossos a medula,
E tão languidamente a buscou minha gula,
Viu o beijo de amor que nela final pus,
Flanco viscoso de ocre a transbordar de pus!
Meus dois olhos fechei num susto de fobia,
Depois quando os abri aviva luz do dia,
Junto a mim em lugar de manequim tão langue,
Que ali estava a estuar de provisão de sangue,
Tremeu de um esqueleto a visão tão daninha,
Ainda a emitir os sons de distante ventoinha
Ou de triste varão que prende a tabuleta
Que oscila ao vento pela noite fria e preta.
Entraste no meu coaração triste;
Tu que forte como manada
De demônios, louca surgiste,
Para no espírito humilhado
Encontrar o leito a o ascendente;
-Infame a que estou atado
Tal como o forçado á corrente,
Como ao baralho o jogador,
Como á garrafa o borrachão,
Como aos vermes a podridão,
-Maldita sejas, como for!
Implorei ao punhal veloz
Que me concedesse a alforria,
Disse após ao veneno atroz
Que me amparasse a covardia.
AH!pobre! O veneno e o punhal
Disseram-me de ar zombeteiro:
"Ninguém te livrará afinal
De teu Maldito Cativeiro.
AH! Imbecil - de teu retiro
Se te livrássemos um dia,
Teu beijo ressucitaria
O cadáver de teu vampiro!"
~#TODA INTEIRA#~
O diabo, em meu quarto um dia,
Apareceu para me ver,
Pensando que me confundia,
Disse-me: "Eu quisera saber,
De todas as coisas formosas,
Que fazem com que a queriras tanto,
De todas as noites e rosas,
Que de seu corpo são o encanto,
Qual é a mais doce?" - Oh minha alma!
Respondeste ao Escarnecido:
"Pois que ela é um bálsamo de calma,
Nada ela de preferido.
E meu ser sempre ao vê-la ignora,
Em que encantos dos seus se acoite
Ela fascina como a Aurora,
Ela consola como a Noite.
Mas esta harmonia é imprecisa
Que o seu belo corpo governa,
A nossa visão que a analisa
Não vê sua beleza eterna.
Ó metamorfose tão mística
Que os meus sentidos já resume!
o seu hálito faz a música
E a sua voz faz o perfume!"
~#A ALMA DO OUTRO MUNDO#~
Como os anjos de ruivo olhar,
Á tua alcova hei de voltar
E para ti irei sem ruído
Na noite de sombra e de olvido;
E eu te darei, morena e nua
Beijos frígidos como a lua
carícias de serpente nova
A despertar da orla da cova.
Chegando o amanhecer sombrio,
Verás o meu lugar vazio,
Que será sempre frio e quedo.
Como os outros pela suavidade,
Eu sobre a tua mocidade,
Quero reinar mais pelo medo!